A urgência de medidas econômicas anticíclicas para se lidar com a pandemia do Coronavírus
O Brasil atravessa um dos períodos mais delicados de sua história econômica, social e política recente. O país se vê obrigado a tomar decisões cruciais em condições especialmente difíceis em razão do avanço da pandemia e da fragilidade do quadro político-institucional. De um lado, o baixo crescimento econômico dos últimos anos, associado a reformas conservadoras que tornaram precárias as relações de trabalho e reduziram os benefícios sociais, agravou a desigualdade e a pobreza no país. De outro, a condução política do presidente da república compromete a adoção de respostas eficazes às crises sanitária e econômica e causa medo e espanto.
O Medo decorre do seu patente despreparo para governar em qualquer cenário, e o espanto pela constatação, mais uma vez, da cegueira ideológica da sua atual equipe econômica que se recusa, mesmo diante dos fatos, a tomar as medidas devidas para aliviar o impacto da crise sobre a atividade econômica e a vida da população mais vulnerável. O desafio colocado ao país exige posturas e atitudes responsáveis de todos. Em especial daqueles que comandam o Estado, que devem atuar com agilidade, de forma clara e decidida, coordenando os esforços da sociedade e aportando os recursos que se façam necessários.
Não é isso, contudo, o que temos visto. No meio de uma das maiores crises econômicas e humanitárias da história, o governo anunciou apenas um conjunto vago de medidas, que são claramente insuficientes. Mais ainda, continua insistindo em reformas totalmente incapazes de reduzir os prejuízos iminentes da população cujos efeitos, ao contrário, como na famigerada PEC 186/2019, tendem a aumentar o quadro recessivo do país. Ao mesmo tempo, a equipe econômica insiste em implementar ações que favorecem aos bancos, mas cujas únicas consequências serão o aumento da liquidez empoçada e o barateamento dos custos dos recursos utilizados nos empréstimos. Não se exige, em complemento, nenhuma contrapartida em termos de redução das taxas de juros. Ou seja, sob o pretexto de combater a crise, aumentam a lucratividade do sistema financeiro, permitindo que este, inclusive, reduza seu volume de operações sem perda da rentabilidade auferida.
Em contraste com a postura tímida e insensível, quando não diretamente nociva do governo, a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) propõe, além do direcionamento urgente e massivo de recursos para as ações de saúde pública, a adoção das seguintes medidas emergenciais para enfrentar o acirramento da crise econômica e social:
1. Instituir programa de renda básica universal no valor de um salário mínimo mensal, para atendimento emergencial dos trabalhadores informais e desempregados em decorrência da crise da pandemia, sem prejuízo da manutenção do seguro desemprego;
2. Ampliar o valor do bolsa família em 20%, assegurando pleno atendimento aos cadastrados no programa;
3. Instituir mecanismos de controle cambial, de forma a evitar a desenfreada evasão de divisas e garantir a permanência de um valor substantivo de reservas internacionais;
4. Instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas, destinando seus recursos para cobrir despesas crescentes relacionadas ao controle da pandemia;
5. Instituir imposto sobre lucros dos bancos;
6. Utilizar os bancos públicos para assegurar linhas de crédito de capital de giro sem juros para pequenas e médias empresas, utilizando os recursos recentemente liberados dos depósitos compulsórios e, se necessário, complementá-los com outros recursos federais de origem fiscal;
7. Ampliar os investimentos públicos, sobretudo em infraestrutura e energia, a fim de mobilizar recursos produtivos ociosos em decorrência da crise;
8. Realizar programa amplo de investimentos em habitação popular, saneamento e saúde pública para atender a totalidade da população brasileira em prazo definido, com a mobilização de recursos públicos e privados;
9. Retomar a atuação do BNDES e dos Bancos de Desenvolvimento Regionais como indutores e agentes financiadores de investimentos em formação de capital fixo e ampliar a atuação da FINEP, da EMBRAPI e das Fundações estaduais de Amparo à Pesquisa como agentes financiadores de investimentos em inovação;
10. Revogação imediata da chamada “lei do teto” (Emenda Constitucional 95) dos dispositivos constitucionais;
11. Suspender a tramitação da chamada “PEC emergencial” e das demais medidas que determinam fortes restrições ao combate à pandemia e à recuperação da economia brasileira.
Essas medidas exigem a mobilização por parte do Estado de um grande volume de recursos financeiros que, neste momento, só podem ser legalmente obtidos por meio da aceitação de exceções às regras do arcabouço fiscal vigente no país, o que é permitido pela situação de calamidade pública. Adicionalmente, cabe considerar que os impactos negativos do Coronavírus certamente se farão sentir nos próximos anos. E, para enfrentar tais impactos, acreditamos que duas medidas estruturais serão absolutamente necessárias:
1. Uma reformulação do atual arcabouço normativo fiscal, composto pela meta anual de resultado primário, pelo teto de gastos e pela regra de ouro, que aprofunda o ciclo recessivo e obriga o governo a cortar investimentos no meio da crise ao invés de ampliá-los. Dessa forma esse arcabouço impede a expansão dos gastos necessários para atender uma população que cresce, envelhece e aumenta suas necessidades, ainda que ela esteja disposta a pagar por isso por meio de uma tributação progressiva;
2. Uma reforma tributária que aumente a parcela dos impostos sobre a renda e a propriedade e reduza a parcela drasticamente a parcela da tributação indireta, tornando o sistema mais progressivo e simplificando a tributação.
Reunindo economistas de todo o país que lutam por uma nação mais igual, justa e democrática, a ABED propõe as medidas acima e ressalta a importância de que as demais entidades do campo democrático juntem forças para o enfrentar as imensas adversidades que caracterizam a atual conjuntura.